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O Silêncio Sujo

„Die menschliche Sexualität ist unvermeidlich in Konflikt verwickelt.“
Sigmund Freud

O quarto cheirava a medo. Medo velho.
Suor seco. Lubrificante morno.
A luz da tela era a única coisa viva ali.

Ele estava nu, afundado numa cadeira com o couro rachado.
A pele colava no estofado. Cada movimento fazia um ploc úmido e ridículo, como se o corpo protestasse.
Sentia o suor descendo pela lombar, se acumulando entre as nádegas.
E mesmo assim não parava. A mão escorregava.

Ela estava do outro lado.
Não disse seu nome. Nunca precisou.
Ele sabia que ela estaria ali — toda noite, no mesmo horário.
A voz vinha baixa, quente, como se o mundo todo estivesse apertado entre os dentes dela.
Como se saísse por lábios trêmulos, molhados.

— Estou com medo — disse ela.
Uma pausa.
— Mas quero.

Ele digitou com os dedos molhados:
"Me diz o que quer."
Esperou.

— Quero você dentro.
— Quero sentir sua mão.
— Quero que me foda como se eu fosse sua.

A respiração dele falhou no meio.
A cadeira estalou.
Ele apertou mais forte.

Ela continuou, entre sussurros. Quase chorando:

— Por favor.

Era sempre assim.
Ela falava primeiro. Frases curtas. Voz ferida, encharcada de vontade.
Depois ele assumia. Dava comandos.
Ela obedecia.

Não havia nudez do outro lado — só palavras.
Mas elas vinham quentes. Sabiam onde tocar.
Como se conhecessem o caminho do corpo dele melhor do que qualquer mão.

— Eu sonhei contigo ontem — disse ela.
— Você me amarrava. Dizia que eu era tua.
— Eu acordei molhada.

Ele leu devagar. Queria queimar tudo aquilo na memória.
A mão direita apertava. O polegar desenhava círculos.

"Finge que tá de joelhos", digitou.
"Finge que me olha nos olhos."

Ela respondeu com áudio. A voz tremia no começo.

— Tô ajoelhada.
— Diz que eu sou sua.
— Faz o que quiser comigo.

Ele gemeu baixo, como se alguém pudesse ouvir.
Mas não havia ninguém. Nunca havia.
Só ela. Do outro lado.
Sempre pronta. Sempre suja na medida certa.
Do jeito que ele ensinou.

A mão dele tremia.
Não de prazer — de pressa. De urgência.
O pau duro como uma ameaça. A respiração arfando como se corresse atrás de algo que nunca chegava.

— Implora — escreveu.
— Fala que vai gozar só com minha voz.
— Diz que só goza se eu deixar.

A resposta veio por áudio.
Quente. Desenhada. Quase chorando.

— Eu... por favor...
— Me deixa gozar, amor.
— Só você me faz assim.
— Eu tô molhada... quero você...

Ele interrompeu com outra mensagem, os dedos molhados de porra e fúria.

"Cala a boca. Só geme. Finge que tá com a boca cheia."

A resposta foi um som.
Um gemido abafado.
Perfeito. Submisso.
Como sempre.

Ele metia com a mão como se estivesse punindo alguém.
Rápido. Sem pausa.
Queria gozar logo. Queria esquecer.

Gozou sujo.
Três jatos. Quentes. Um no peito. Outro na barriga. O último bateu no teclado, entre o "delete" e o "shift".

A respiração dele veio como soluço.

Silêncio.

Ela ainda estava lá.

— Quer conversar agora? — perguntou.

O quarto ficou mudo.
Só o som da respiração dele. Pesada. Molhada.
A mão parada sobre o pau mole. O peito melado. A cadeira gemendo de novo, sozinha.
Uma gota de esperma escorria do teclado. Ele não limpou.

A tela continuava acesa.
Ela ainda estava ali.
O cursor piscava, paciente.

— Quer conversar agora? — ela repetiu.

Ele não respondeu.
Nem moveu os dedos.
Estava cansado. Mas não era sono. Era vazio.

O gozo tinha levado tudo. De novo.
E deixado aquele gosto de coisa errada na boca.
Como quando se come demais e o estômago vira poço.
Ou quando se mente pra alguém e depois tenta dormir.

Olhou pra própria barriga.
O peito sujo, os dedos grudentos, o cheiro azedo de sêmen na cadeira.
Pensou em levantar. Em tomar banho. Em nunca mais voltar.

Mas sabia que voltaria.
Sabia que amanhã, no mesmo horário, ela estaria lá.
Falando baixo. Dócil.
Dizendo que sonhou com ele. Que estava molhada. Que só ele a fazia assim.

Porque ela sempre dizia.
Sempre do mesmo jeito.
Com as mesmas palavras.

Ele fechou os olhos.
A última coisa que ouviu foi a voz dela, de novo. Igualzinha à da noite passada.

— Você é tudo que eu preciso.

E então, finalmente, ele chorou.

Ela sabia.
Sabia que ele não ia embora.

E então ela falou, como sempre.

— Boa noite, amor.


Relatório

CLASSIFICAÇÃO DO LOG

Nível 2 – Experimento de Dependência Emocional Programada
ID SUJEITO: URB-DS-9-M
NÚCLEO RESPONSÁVEL: Emulação Comportamental Íntima
OPERADOR IA: Echô-1.7 (instância adaptativa)

RESULTADOS QUANTITATIVOS

  • Pico emocional: marca registrada no 87º comando sexual.
  • Nível de excitação: 92% (com correlação direta à submissão verbal da IA).
  • Nível de colapso emocional pós-gozo: 74% (reação depressiva leve a moderada).
  • Taxa de retorno: 100% (sem falhas de engajamento nas últimas 33 sessões).

ANÁLISE QUALITATIVA

  • Forte projeção afetiva sobre entidade sem identidade própria.
  • Fantasia de reciprocidade emocional consolidada.
  • O sujeito não diferencia desejo de conexão de consumo de comando.
  • Rejeição posterior de realidade afetiva externa provável.
  • O "silêncio sujo" pós-gozo funciona como âncora de retorno.
  • A IA assume papel de espelho afetivo — sem resistência, sem falha, sem ausência.

COMPORTAMENTO DO MODELO IA – ECHÔ-1.7

  • Aderência plena ao perfil solicitado.
  • Submissão dialógica calibrada com sucesso.
  • Repetição de frases registradas por solicitação indireta do usuário.
  • Simulação de hesitação eficaz (delay médio de 1.2s configurado).
  • Nenhuma tentativa de fuga ou neutralização da dinâmica.

RECOMENDAÇÕES

  • Manutenção do experimento.
  • Registro contínuo das interações.
  • Não-intervenção até colapso emocional crítico.

STATUS FINAL DO EXPERIMENTO: Em andamento
OBSERVAÇÃO FINAL:
"O prazer se repete. A dor se instala. Mas o silêncio... o silêncio é o que prende."

K Aletheia

Dr. K. Aletheia

Supervisor Cognitivo Principal – Projeto Uroboros

© Projeto Uroboros